terça-feira, 1 de setembro de 2009

UM VILA-CONDENSE NO CEILÃO

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Em 1549, Fr. João de Vila do Conde estava no Oriente, aonde tinha chegado mais de cinco anos antes. A sua vida tinha sido muito difícil e poderia andar já perto dos sessenta anos. Mas decide então enfrentar as dificuldades duma viagem a Portugal e regresso ao Oriente, para esclarecer o Rei em pessoa do que lá se passava e de que muitas vezes os canais oficiais não davam notícia rigorosa.
Ele era uma figura importante e tinha ido para o Ceilão na sequência de um entendimento entre D. João III e o imperador desse país. Mas ainda assim trouxe cartas de pessoas bem ilustres que o recomendavam ao Rei.
S. Francisco Xavier, na sua, tece um elogio generoso à acção de Fr. João de Vila do Conde:
Porta manuelina do convento onde Fr. João eventualmente professou.

Deve-lhe (a Fr. João de Vila de Conde) dar V. A. muitos agradecimentos pelos muitos trabalhos que nestas partes da Índia tem tomado por serviço de Deus e descargo da consciência de V. A.; porque os trabalhos corporais que o Padre Frei João tem levado nestas partes da Índia, ainda que sejam muitos e grandes e contínuos, em comparação dos trabalhos do espírito, em ver o mau tratamento que os capitães e feitores fazem aos que novamente se convertem, havendo-os eles de ajudar, são incomportáveis, e quase um género de martírio ter paciência em ver destruir o que com tanto trabalho tem ganho.

O Bispo de Goa reconhece que Fr. João é um "bom homem e virtuoso religioso e tem bons desejos", mas nas entrelinhas parece assinalar-lhe certa dose de impaciência:

Três anos há que detenho, com o melhor modo e palavras que posso, ao padre Frei João de Vila da Conde, que para isso viemos a estas partes, para levar trabalhos e desgostos por amor de Deus, e por honra e favor de sua fé; este ano determinou de se ir; diz que vai a dar-lhe conta das coisas de Ceilão, para lhe por Vossa Alteza remédio; são coisas algumas delas que o tempo não dá jazigo às cumprir todas como se requer, por ser terra de guerras e doutras qualidades que lá em Portugal não se alcança tanto, e para esta musica da conversão dos infiéis há mister muita constância, e prudência da qual carecemos alguns; ouça-o Vossa Alteza, por amor de Deus ... Pergunte-lhe as coisas de cá, e seja recebido com gasalhado; é bom homem e virtuoso religioso e tem bons desejos.
Igreja do Convento de Santa Clara, que ficava a poucas dezenas de passos do convento franciscano.

Fr. Diego Bermudez, talvez um dominicano, vê em Fr. João "um homem de grande virtude e fervoroso":

O Pe. Fr. João de Vila do Conde é um homem de grande virtude e fervoroso; por amor às almas carregou com muitas dificuldades e quer agora carregar com outras maiores. Pois vê que os problemas do Cristianismo encontram aqui muito pouco favor, e especialmente os tão importantes da cristandade do Ceilão. Tinha começado muito bem; para honra de Deus e com seu favor e o de Vossa Alteza, foram converti­das tantas almas e podia-se esperar que, dado o seu incremento, brevemente toda aquela ilha se faria cristã; mas esta esperança não se cumpriu por causa dos nossos pecados. Ao contrário, tudo se desmorona e extingue; e isto não por culpa de Vossa Alteza, senão pela de quem se encontra aqui. Pois somente vêm para fazer dinheiro; assim entregam as suas almas e toda a Ceilão ao diabo por um tostão.
As inimizades entre o imperado do Ceilão e o seu irmão Maiadune

O Ceilão – hoje diz-se Sri Lanka – é uma ilha com metade da superfície de Portugal e o dobro da população. No séc. XVI, quando por lá missionou Fr. João, estava dividida em vários reinos: Cota, Sitavaca, Cande, Jafna, Sete Corlas… Estes reis conviviam pessimamente uns com os outros, pelo que as guerras eram muito vulgares. O rei de Cota tinha certa supremacia sobre os restantes – daí chamar-se-lhe imperador – em parte devido a localizar-se na sua grandiosa capital o célebre templo do Dente de Buda, em parte por possuir o reino com terras mais produtivas.
Para sabermos o que fazia por lá Fr. João, temos de recuar na história da ilha.
Em 1521, em Cota, houve um regicídio: os filhos do imperador assassinaram o pai. Eram eles Buvaneca Báhu, que ficou a reinar em Cota, em lugar do pai morto; Maiadune, que herdou Sitavaca; e um terceiro irmão, que reinou em Rayi­gama.
Maiadune, ambicioso e com mais capacidades bélicas, tentará até ao fim da vida alargar os seus domínios à custa do reino de Buvaneca Báhu. Aliás, não tendo este filho varão herdeiro, Maiadune considera que lhe cabe a ele herdar o trono imperial. Como se isso não bastasse, arranja um aliado de peso, o samorim de Calecut.
Neste contexto, aí por 1540, Buvaneca Báhu decide fazer-se suceder pelo neto, o que enfureceu Maiadune. Buvaneca tenta então obter cobertura do rei português para os seus planos. Fr. João vai-se tornar uma peça deste jogo.
Sobre Fr. João de Vila do Conde, escreveram cronistas antigos portugueses e escreveram, modernamente, alguns estudiosos, entre eles o jesuíta alemão Georg Schurhammer ao redigir a monumental biografia de S. Francisco Xavier, o padre francês Léon Bourdon e o franciscano português Fr. Félix Lopes.
Mapa do Ceilão, actual Sri Lanka
Carta de D. João III sobre a sucessão do rei de Ceilão

Ouçamos agora alguns extractos duma «Carta de D. João III sobre a sucessão do rei de Ceilão», onde se contêm os factos que motivaram a ida de Fr. João de Vila do Conde para aquela ilha. Data de 1543. O nome de Buvaneca Báhu escreve-se aqui como Bu­haneguabaho, o do seu neto Darmapala Pandarim como Tãomapala Pandarim.

Dom João, etc. a quantos esta minha carta virem faço saber que Bu­haneguabaho, Rei de Ceilão, me enviou dizer por Pandita seu embaixador que pela grande confiança que tinha de Tãomapala Pandarim seu neto, filho de sua filha, que depois de seus dias saberia bem reger e governar seu Reino e manteria seus súbditos e vassalos em toda justiça e guardaria inteiramente a verdadeira amizade que entre nós há, como ele muito desejava que todos seus herdeiros e sucessores o fizessem, me pedia que houvesse por bem que, pelo seu falecimento, o dito seu neto o herdasse e sucedesse no dito Reino. E … por muito folgar de nisso comprazer ao dito Rei de Ceilão assim pela muito boa vontade que lhe te­nho como pelas boas obras que ele sempre folga de fazer em todas as coisas que se oferecem de meu serviço e por esperar do dito seu neto que sem­pre assim o fará e guardará e conservará esta nossa amizade e me conhecerá e merecerá todas as boas obras que lhe fizer, e por outros justos respeitos que me a isso movem, por esta presente carta tenho por bem e me apraz que por falecimento do dito Buhanegabaho, Rei de Ceilão, ele dito Tammapala Pan­darim, seu neto, herde e suceda no dito Reino; … porém o notifico assim ao meu capitão-mor e governador das partes da Índia, vedor de minha fazenda e a todos e quais quer outros meus capitais oficiais e pessoas a que esta minha carta for mostrada e o conhecimento dela pertencer e lhe mando que hajam ao dito Tammapalla Pandarim por verdadeiro e legitimo herdeiro do dito Reino de Ceilão...
Dada em a Vila de Almeirim a XII dias de Março: Pêro Fernandes a fez.
Ano do nascimento de Nosso Se­nhor Jesus Cristo de mil e quinhentos e quarenta e três.


A manobra ideada por Buvaneca Báhu consistiu em dar a crer ao Rei português que estaria disposto a receber o baptismo e que proporcionaria facilidades à missionação cristã do seu reino. Isto, logo se concluiu, torná-lo-ia um precioso aliado. Sugeria mesmo o envio dum grupo de "franciscanos sábios". Coube a Fr. João chefiar o pequeno grupo de seis franciscanos que então se dirigiram para a ilha.

Por estar com problemas com a palavra-passe, respondo aqui ao comentário:
Eu penso que se devia dar preferência à versão usada no século XVI, que creio que era Cota. 

1 comentário:

  1. Como acha que se deve designar a nova capital do Sri Lanca, Cota ou Kotte?

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