terça-feira, 1 de setembro de 2009

Carta de Darmapala

No mesmo ano de 1561 escreveu Darmapala uma carta à rainha viúva portuguesa, D. Catarina. Redigida certamente por um português, Darmapala suplica aí mais uma vez ajuda contra Maiadune (Madum) e faz o elogio de Fr. João. Ouçamos a primeira metade da missiva:

Senhora
Uma de V. A. recebi este ano, a 20 de Outubro, escrita a 15 de Março do ano de 60, em que diz acerca do Pe. meu Mestre Fr. João de Vila do Conde, que do que para ele pedia fizera lembrança a El-Rei, meu Senhor, pelo que beijo as Reais mãos de V. A. Ele nisso me fez assinada mercê, como ainda fará em lho tornar a lembrar, porque verdadeiramente que nenhum gosto levarei tamanho como vê-lo nesta terra com tal Dignidade, e por cima de tudo terei que S. A. me deseja honrar e a esta Cristandade, a que, louvores a N. Senhor, vai assás crescimento, ainda que não tanto como desejo por o Madum, nosso inimigo, estar tão poderoso como está (...)

... mas eu espero na Misericórdia de Deus que me há-de ajudar, pois sabe minha tenção e o muito que desejo ver Sua Santíssima Fé multiplicada, e porque na que escrevo a El-Rei, meu Senhor, digo mais largamente tudo o que ao presente se requer escrever-lhe, não digo mais, somente que se lembre do que peço a V. A. em minhas cartas, principalmente esta para o Padre meu Mestre, que eu e todos os desta terra temos em conta de Pai, pela tão sobeja virtude e bom exemplo que nos dá que parece que N. Senhor o escolheu para nesta terra fazer o que tem feito em louvor da Sua Santa Fé. Nosso Senhor seu real Estado acrescente, vida e saúde por longos anos.
Escrita na Cota, aos 23 de Dezembro de 561 – com o sinal de El-Rei de Ceilão.

A última notícia conhecida sobre Fr. João data de 1567 e afirma que ele trabalhava intensamente no Ceilão. Terá falecido na década seguinte, "muito velho" e "com fama de santidade". Está sepultado no Convento de Santo António de Cochim.

Conclusão

Fr. João é uma figura notável a muitos títulos. Contemporâneo de Camões, chegou dez anos antes do Épico ao Oriente. Como ele – melhor do que ele – conheceu os homens grandes e as obras gigantescas por eles lá realizadas. A sua determinação no relacionamento com o «coleante» Buvaneca Báhu impô-lo ao respeito dos pequenos reis locais, tornando depois mais viável a conversão dos populares e garantindo um apoio acrescido à causa lusa; a mesma determinação o conduziu ao relacionamento com D. João de Castro. Homem íntegro e decidido, não hesitou em arrostar com a viagem de vinda a Portugal e regresso para garantir a vitória da verdade e a protecção à cristandade do Ceilão.
Darmapala acabará por legar o seu trono ao rei português, tornando-se adiante o Ceilão, embora não na totalidade, colónia portuguesa; a nossa cultura teve lá penetração profunda. Em parte importante isto aconteceu por acção de Fr. João – que assim se tornou, além de dilatador da Fé, um não desprezável dilatador do Império.


TÁBUA CRONOLÓGICA

1480 (c.) – nasce Fr. João
1514 – conclusão da Matriz de Vila do Conde
1521 – assassínio do imperador do Ceilão pelos seus filhos
1522 – começa a obra do Convento da Encarnação (S. Francisco)
1542 – Pandita vem a Portugal e requer o envio de alguns franciscanos sábios
1543 – Fr. João parte para o Oriente. Debate das sete perguntas.
1544 – abandona o Ceilão; baptismo secreto do rei da Cande
1545 – Fr. João e S. Francisco Xavier voltam a Cota
1547 – Fr. João vai a Diu falar com D. João de Castro; cartas de Fr. João a D. João de Castro
1548 – assiste à morte do Governador; S. Francisco Xavier visita o Ceilão; carta do rei de Tanor
1549 – vem a Portugal informar o rei sobre a situação no Ceilão; baptismo secreto do rei de Tanor; cartas encomiásticas a respeito de Fr. João
1551 – Buvaneka Bahu é assassinado pelo servo de Noronha, António de Barcelos
1553 – Bandara, pai de Darmapala, destrói a feitoria e as igrejas de Colombo
1554 – Darmapala assume o poder em Cota
1555 – Fr. João de novo no Ceilão
1556 – baptiza "70.000 pescadores caraias de entre Colombo e Negombo" (ou terão sido apenas uns 3.000?)
1557 – baptiza Darmapala com seus Grandes
1561 – Darmapala louva Fr. João em carta a D. Catarina, viúva de D. João III
1567 – Fr. João trabalha intensamente no Ceilão – última notícia conhecida
1580 (c.) – morre Fr. João, "muito velho", "com fama de santidade" e é sepultado no Convento de Santo António de Cochim
1583 – Darmapala renuncia ao trono imperial em favor do rei de Portugal
Representação de Fr. João na escola que tem o seu nome, em Vila do Conde.

Bibliografia


LOPES, Fr. Fernando Félix – A Evangelização do Ceilão desde 1552 a 1602, Separata de Studia, n.os 20-22, 1967.
FITZLER, M. A. Hedwig – Os Tombos de Ceilão da Secção Ultramarina da Biblioteca Nacional, Publicações da Biblioteca nacional, Lisboa, 1927.
SCHURHAMMER, Georg – Francisco Javier: Su Vida y su Tiempo, 1992, Pamplona.
BOURDON, Léon - «Les débuts de l’Evangélisation de Ceilan vers le milieu du XVI siècle d’après les documents récemment publiés», in Bulletin des Études Portugaises, n.os 1-2, 1936.
MAURÍCIO, Domingos – «Portugal e S. Francisco Xavier», Brotéria, 55, 1952, pp. 455-482.
REGO, António da Silva – Documentação para a História das Missões do Padroado Português do Oriente, Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1951.
FERREIRA, José – Fr. João de Vila do Conde, Separata do Boletim Cultural da C.M. de Vila do Conde, 1995.

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