terça-feira, 1 de setembro de 2009

Na morte de D. João de Castro

D. João de Castro morreu 6 de Junho de 1548. Assistiram-no nos derradeiros momentos quatro religiosos, entre eles S. Francisco Xavier e Fr. João de Vila de Conde. Foram então encarregados de dirigir ao Rei esta carta, que contém as últimas vontades do defunto:

Documento assinado pelos religiosos S. Francisco Xavier e Fr. João de Vila do Conde, entre outros, e que contém as últimas vontades do grande vice-rei D. João de Castro

Senhor
Estando o vice-rei Dom João de Castro para falecer, nos disse a nós todos quatro, Mestre Pedro Vigário-geral, frei António custodio, Mestre Francisco da Companhia de Jesus, frei João de Vila de Conde, de palavra, que fizéssemos esta carta a V. A. em que lhe fizéssemos as lembranças seguintes em seu nome, por ele já estar em tempo para o não poder fazer:
D. João de CastroPrimeiramente lembrava os muitos e grandes serviços que fez Manuel de Sousa de Sepúlveda a V. A. na batalha de Diu e no fazer da fortaleza, onde deu mesa a muitos homens e teve cargo de fazer o baluarte de São Tomé, onde levou muito trabalho; e assim em todas as outras armadas o ajudou muito e acompanhou. Pelo que pedia a V. A. haja por seu serviço de lhe fazer muita mercê. E se V. A. tomou algum desprazer dele por não aceitar a fortaleza de Diu que lhe pedia, pela hora em que estava lhe perdoasse.
E assim nos encomendou Francisco da Cunha que o lembrássemos a V. A. o qual também servia mui bem em Diu, assim na batalha como no fazer das obras da fortaleza, e deu de comer a muitos homens, e proveu muitos doen­tes; e depois de Deus ele foi grande meio por onde muitos homens convalesceram de graves enfermidades (...)
Hoje, 22 dias de Outubro de 1548.
Petrus Fernandus, Frei António do Casal Custos, Francisco, Frei João de Vila de Conde

Pintura goesa moderna a representar a morte de D. João de Castro

Êxitos missionários

Fr. João também averbou êxitos. O que vamos referir ter-lhe-á sido bem saboroso. Ocorreu no ano de 1556, quando baptizou 60.000 “pescadores caraias”, entre Colombo e Negombo. Não há dúvida que é obra. Só que...
Um estudioso singalês contemporâneo informa que tal aconteceu num período em que se instalou na zona um poder pró-lusitano. Ter-se-ia tratado de uma movimentação sócio-religiosa mais comum do que se poderia imaginar. Mas o mesmo estudioso pretende fazer-nos crer ainda que as coisas tiveram muito menor dimensão do que estes números sugerem. Que há neles enorme exagero – aliás seria comum nos relatórios dos missionários do tempo. E, cremos que também com um enorme exagero de sentido oposto, propõe que dos 60.000 recuemos para 3.000. Parece-nos descabido. Fr. João não actuava no meio do sertão brasileiro, mas numa terra bem conhecida. Um mínimo de bom-senso aconselhava a fazer contas mais rigorosas...

O baptismo de Darmapala e dos seus Grandes

No ano de 1557, Fr. João há-de ter tido outro dos momentos altos da sua vida de pregador do Evangelho: foi então que baptizou Darmapala e os seus Grandes. Darmapala, que afinal fora quem indirectamente o levara ao Ceilão, se bem se recorda. Fora para lhe assegurar o trono que seu avô, Buvaneca Báhu, imaginara o engodo de trazer missionários cristãos para o reino, 15 anos atrás. Se Darmapala dependia do poder português, e portanto podemos imaginar uma conduta de oportunismo, não se deve esquecer também que se trata duma pessoa que conhece de longa data a religião que se propõe abraçar e que por experiência sabe que nem sempre era de esperar muito do vice-rei e dos portugueses.
Nas povoações costeiras onde os Franciscanos evangeliza­vam, havia de se ter criado um ambiente novo de admiração e aceitação do cristianismo sobretudo entre os das classes superiores.
Igreja em Galle, cidade costeira do sul do Sri Lanka

Fr. João educador

Nesse mesmo ano de 1557, o Rei fez doação de todos os pagodes do reino com suas rendas para criação e mantença de seminários ou institutos de educação de crian­ças e jovens. No texto conhecido, que é o da ratificação feita em 1591, diz ele:

Houve por bem e aprouve fazer esmola e mercê aos ditos padres [Franciscanos], a instância e pedimento do P. Fr. João de Vila de Conde, guardião que foi do colégio da minha cidade de Cota, metropolitana e cabeça dos meus reinos e senhorios em tempo que a maior parte deles possuía, em cujas mãos fui feito cristão, fazendo-lhe a dita mercê dos pagodes e sítios de Calane, assim de uma como de outra banda, e do pagode de Dalade que foi igreja de S. Sal­vador dos ditos padres, e assim de todos os mais pagodes dos meus reinos e senhorios, com todas as suas rendas, terras, hortas, várzeas, foros, vassalagens, assim e da maneira que antes meus antecessores passados e eu, tudo o que dito é, tínha­mos dado aos mesmos pagodes, donde, tanto que houve o ver­dadeiro conhecimento, o renunciei e pus nos ditos colégios ao receber da água do santo baptismo.

O grande impulsionador destes colégios e da cristandade de Cota em geral foi Fr. João de Vila de Conde. No Arquivo da Torre do Tombo, conserva-se o seguinte apontamento que deve datar de 1559:

Frei João de Vila de Conde diz que à obra da Cristandade de Ceilão, que com a ajuda de Nosso Senhor vai em grande crescimento, são necessários Padres, porque não estão nela mais que seis.

Fr. João poeta

A vida no Ceilão, e mais concretamente em Cota e Sitavaca, vai continuar recheada de vilezas e violências — a que o nome de Fr. João nunca aparece ligado. Mas como a informação sobre ele se torna escassa, vejam-se as primeiras linhas desta carta do padre jesuíta Henrique Henriques, data­da de 1561. Nela nos aparece um Fr. João que se quer socorrer do canto para levar por diante a sua missionação. E para tal lança-se a escrever poesia religiosa.

Em Ceilão está um grande cantor malabar, já cristão, com quem um Padre de São Francisco, por nome Frei João de Vila do Conde, tem tirada mui singular doutrina em prosa e em maneira de cantigas que se cá costumam, e que se aprendem nas escolhas; e assim outras cantigas de louvor de Deus e da Virgem que se costumam a cantar, como entre nós os meninos órfãos cantam...
Folgaram muito os cristãos de ouvir tão boa doutrina e tão bem tiradas cantigas, as quais se cantam agora por toda esta povoação. Tiraram para dar aos cantores 50 cruzados, além do que certos mancebos de boa voz que aprenderam as mesmas cantigas e as cantam em algumas partes onde se ajuntam os cristãos; tem havido boa soma de dinheiro; são quatro ou cinco os que as cantam e somente destas cantigas se mantêm, e escreveu-me também o mesmo Padre Frei João que visse eu se estava bem. ...
A doutrina, depois de emendada, é mui excelente e digna de se imprimir, sobre o que escrevi ao provincial; respondeu que o irmão que podia fazer os caracteres estava mui mal e não para os poder fazer.

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